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Foi num carnaval do início dos anos setenta. Nessa época, era proibida a venda das chamadas “bebidas quentes” na folia momesca. Só valia cerveja. Dois malandros de Deodoro, Janjão & Pinaco, tiveram uma idéia genial: por que não fazer umas batidinhas e disponibilizar pra galera, no sapatinho, a preços módicos?
Com a melhor das intenções, a dupla partiu pro Centro da cidade. Antes dos banheiros químicos de hoje em dia, a Prefeitura instalava uns “reservados” de madeira pros foliões se aliviarem. Foi ali que nossos heróis se abrigaram.
Talvez pelo lugar escolhido, talvez pela falta de divulgação prévia do produto... O fato é que o tempo passava e Janjão & Pinaco não vendiam uma dose sequer. Decepcionados com o fracasso da empresa, as figuras travam o seguinte diálogo:
Janjão – Aí Pinaco, num vendemo nada... É o seguinte: me dá uma dose.
Pinaco – Tá maluco? Isso aqui é pra gente vender!
Janjão – Calma... Tô com dinheiro,vou pagar.
Janjão então puxa uma moeda de 50 centavos e paga a dose. Pinaco, sem outra saída, recolhe o dinheiro e serve o parceiro. Meia hora depois, o quadro era o mesmo. Só Janjão havia consumido a batida.
Pinaco não resiste: Janjão, também vou tomar uma dose....
Janjão (irônico) – Mas tu não falou que era pra vender?
Pinaco – Eu também vou pagar.
Janjão – Como? Tu tá duro....
Pinaco puxa a moeda de 50 centavos de Janjão e paga a bebida.
Janjão – Então tá....
Logo depois, Janjão pede mais uma dose e paga com a moeda de 50 centavos. Em seguida, Pinaco faz o mesmo.
Nessa doce brincadeira, Pinaco & Janjão encheram a cara, com a moeda de 50 centavos trocando de mão a cada cinco minutos...
Quando chegaram em Deodoro, a rapaziada perguntou:
- E aí, se deram bem?
Janjão (doidão) – Fala pra eles, Pinaco... Vendemo pra caralho!
- É mermo? Faturaram quanto?
Pinaco (doidão) – 50 centavos...
Por volta de 1956, foi inaugurado, num projeto de iniciativa do presidente Getúlio Vargas, um conjunto de prédios no bairro de Deodoro. A idéia era disponibilizar apartamentos para pessoas de baixa renda. Além da insuficiência de recursos, cada família também deveria ter, no mínimo, quatro filhos.
O projeto recebeu o nome de Fundação da Casa Popular de Deodoro. Não eram imóveis do tipo “sala e penico” de hoje em dia. Os apartamentos tinham três quartos, sala espaçosa, uma cozinha que comporta mais de duas pessoas por vez... Não, eu não estou mentindo. Falo a verdade, tanto que vivo num deles.
Mas por que digo isso? Bem, um lugar que recebeu pessoas dos mais variados lugares, com as mais variadas histórias de vida, rende bons “causos”.
Eu vou, aqui no Suburbiando, contar alguns deles.
O Samba da Ouvidor já se tornou programa obrigatório do carioca. Rola aos sábados, quinzenalmente, na Rua da Ouvidor - entre a Primeiro de Março e a Rua do Mercado -, no Centro do Rio. Começa lá pelas 14h e geralmente vai até às 19h, 19h30... Eu, que não sou bobo, parti pra lá outra vez. Num dia típico de verão, um calor infernal, não tem como ficar em casa. Quando cheguei - 16h, mais ou menos - o couro tava comendo: samba de primeiríssima qualidade, mulheres lindas, cerveja gelada...Enfim, o de sempre. Nesta última edição, o lugar estava visivelmente mais cheio (pô, lá pelas 19h a cerva acabou!), acho que foi por causa do Jornal O Dia, que falou do samba na edição de quinta-feira e deu destaque também no Guia de diversão que sai às sextas ( saiu na capa). Não por acaso, vi algumas pessoas com o tal guia na mão, tentando se situar.Mas o que torna esse samba tão especial? Uma simples espiada na roda já revela parte da charada:são figuras de 20, 25 anos cantando sambas belíssimos do começo do século passado, conduzindo o apreciador em uma viagem por Mangueira, Madureira, Estácio, Vila Isabel... A preocupação do grupo, além de se divertir, é resgatar canções menos conhecidas de compositores que muitas vezes só têm notoriedade dentro de seus blocos ou escolas de samba. Mas há espaço também para "hits" (hahaha) de Cartola, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Silas de Oliveira, Monarco...
Além disso, é um lugar aonde você vai e sente bem. Isso é um dado importantíssimo. Se tiver a fim de cantar perto da roda, é só chegar, se quiser ficar mais destacado, observando, sem problemas... Não existe violência, é 0-800... O esquema ideal.
Lá pelas 19h30, os caras começaram a improvisar no partido alto: o refrão era "Que samba é esse que acabou de chegar? / É partido alto, mas é pra quem sabe improvisar..." E dá-lhe improviso! Sensacional... Depois disso, o samba acabou. Porém, minha diversão não terminou ali. Mantendo a linha "bom, bonito e barato" de lazer, me mandei pra feira de São Cristóvão, que eu não conhecia. Impressionante....Que lugar grande! Você anda, anda, anda e o negócio não acaba. São dois palcos principais (se houver mais, me corrijam), enormes, com bandas de forró se apresentando e vários palcos pequenos - que eu não sei quantos são, mas são muitos - com grupos tocando. Diversos restaurantes, pra todos os gostos e bolsos.
Tem de tudo lá dentro: lojas de iguarias nordestinas, roupas típicas, CDs, barraquinhas que vendem literatura de cordel (comprei um livrinho)... Mais ou menos no centro da feira, uma dupla de repentistas estava improvisando, o que me fez lembrar do samba da ouvidor e me causou a agradável sensação de que, de algum modo, as coisas estão todas interligadas...
Quando desci da kombi, chegando em casa, um lance engraçado aconteceu: um cachorro começou a andar do meu lado, parecendo me escoltar. No meu normal, eu teria gritado um "Sai fora, cheio de pulga!", mas, não sei, eu simpatizei com o vira-latas... Fui caminhando e vendo até onde ele ia me seguir. Ele parou perto do lixo, pra fuçar, e eu pensei que fosse ficar nisso. Mas, percebendo que eu me afastava, o cachorro logo veio correndo e continuou "fazendo a minha segurança".
Sem sacanagem, de onde desci até o meu apartamento são uns cinco minutos de caminhada e, durante todo esse tempo, o vira-latas esteve ao meu lado. Quando virei a chave no portão, dei uma última olhada pro cachorro e posso jurar que ele piscou pra mim, como quem diz "tá entregue".
Ou será que foi impressão minha?