sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Trem: a babel suburbana

Acho que nenhum meio de transporte carioca é mais interessante que o trem. É o Rio de Janeiro no que tem de melhor e pior. A mistura de pessoas dos mais variados pontos do estado transforma a "minhoca de metal" (Fala Rappa!) em uma babel suburbana.

Camelôs que vendem de tudo, evangélicos tentando ganhar almas (cuidado! o vagão deles é o segundo), isso sem falar nos francos-atiradores - aquelas figuras engraçadas que aparecem de vez em quando.

Pois bem: estava eu, nesta manhã de sexta-feira, no trem que parte de Deodoro às 07:03 rumo à Central, quando a composição chegou à estação de Engenho de Dentro - que está sempre lotada. Explico: caso os distintos não saibam, Engenho de Dentro serve como transferência para que as pessoas que vieram no trem direto (que só para nas estações principais) possam trocar para o parador (que como o nome já diz, para em todas). Devido a isso, a galera que trabalha no Méier desce no Engenho de Dentro e pega o parador para desembarcar na estação seguinte - o que torna a plataforma um verdadeiro inferno. O trem enche absurdamente e demora a seguir viagem, pois o maquinista só parte depois que todas as portas estão fechadas - no que faz muito bem.

Hoje aconteceu o que acontece sempre: uma confusão, empurra-empurra e nada do trem seguir. Depois do maquinista dar esporro, descobriu-se a causa da demora. Uma mulher, na ânsia de embarcar, conseguiu entrar, mas sua bunda não. (deveria dizer nádegas? postem comentários)

Sem sacanagem, ela travou a porta!

Aí, meu irmão...Virou festa. Zoação geral até o Méier.


sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Eleições no Rio

O assunto pode parecer chato, mas é necessário: falemos das eleições no Rio. Essa última pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha dá o que pensar. O estudo confirma o crescimento contínuo de Eduardo Paes (PMDB/PTB/PP/PSL), que lidera com 26% das intenções de voto. Como Marcelo Crivella (PRB/PR/PSDC/PRTB) caiu três pontos percentuais (21% para 18%), já não existe mais empate técnico entre os dois principais candidatos.

Observando o início da pesquisa, em julho, podemos perceber uma disparada de Paes: de lá pra cá, o candidato subiu de 13% para 26%, ou seja, dobrou a intenção de votos. A que devemos esse fenômeno? Ele é o candidato do Lula? Outros também contam com o apoio do presidente. Leva vantagem no corpo-a-corpo? Acredito que ele não faça nada de diferente dos outros candidatos. No entanto, Paes saiu de uma condição bastante desfavorável - foi indicado como candidato após uma convenção partidária tumultuada - para a de favorito à prefeitura do Rio.

A queda de Crivella apontada pelo estudo não surpreende. Ela já vem sendo constatada há algum tempo. Sua situação parece um pouco mais clara: falta ao candidato evangélico uma boa dose de carisma, um certo 'magnetismo pessoal', algo fundamental na construção da personalidade de um líder. A questão religiosa também faz com que Crivella não seja tratado com indiferença. Ao mesmo tempo que conta com o apoio de muitos, percebe-se igualmente um índice de rejeição muito grande a sua candidatura.

Entretanto, a principal surpresa não foi causada pelos favoritos. Fernando Gabeira (PV/PSDB/PPS) saiu de 8% para 11% e embolou a disputa pela vice-liderança. O ex-deputado federal já está tecnicamente empatado com Jandira Feghali (PCdoB/PTN/PHS/PSB), que foi de 12% para 13%.

Enquanto Gabeira trabalha para desvincular sua imagem de candidato "zona sul" afeito à posturas liberais - leia-se drogas e homosexualismo - Jandira crê em um debate na Tv para alavancar sua campanha.

Apesar de a definição do primeiro turno já estar se desenhando, só poderemos ter uma noção mais consistente com a realização de um debate entre os candidatos. Afinal, uma interação entre os possíveis prefeitos com discussão de suas propostas é fundamental para as eleições.


quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Delegado e Preto Rico ofuscam a chuva

No último domingo, a chuva foi o centro das atenções em boa parte do Rio de Janeiro. Porém, na Mangueira, ela foi solenemente ignorada durante o encontro anual das três grandes alas da escola - Boêmios, Periquitos e Só Para Quem Pode.

O evento, apesar do caráter obviamente festivo, rendeu belíssimas homenagens a duas grandes figuras da agremiação: o mestre-sala Delegado e o compositor Preto Rico.

Graças à presença radiante desses dois patrimônios do samba, pode-se afirmar que a tarde foi de sol na Mangueira.


quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Quem guardará o samba?

O documentário "O mistério do Samba", que estreou em 29 de agosto nas salas cariocas de cinema, é uma excelente oportunidade para quem deseja conhecer um pouco mais da alma do subúrbio do Rio de Janeiro e de seus habitantes. Ao retratar o cotidiano dos integrantes da Velha Guarda da Portela, o filme permite que o espectador se emocione com histórias de um outro tempo. De um outro Rio.

Antes de mais nada, impressiona a relação íntima que os personagens possuem com a música. O ato de compor para eles é a coisa mais natural do mundo. É simplesmente a manifestação de um sentimento, que é despertado pelos acontecimentos mais banais do dia-a-dia, como as brigas com a mulher, os pagodes, o trabalho (ou a falta dele), os personagens engraçados que surgem... Qualquer tema é motivo de inspiração. Sem firulas.

No entanto, a película causa também uma certa melancolia ao se perceber que existe um hiato intransponível entre essa turma e a nossa geração. Estamos em um outro tempo, outro século, onde tudo é muito corrido: "a gente se fala", "hoje não dá", "me liga mais tarde"... Estamos numa outra cadência.

A Velha Guarda quer passar o bastão, mas quem estará lá para recebê-lo? Quem guardará o samba?



domingo, 7 de setembro de 2008

João Nogueira – E Lá Vou Eu (1974)

Em 1974, João Nogueira já havia obtido respeito como compositor: tinha canções registradas nas vozes de Clara Nunes e Elizeth Cardoso, além de integrar – há três anos – a Ala de Compositores da Portela. A agremiação de Oswaldo Cruz, aliás, foi para ele realmente a “Escola de Samba”: na adolescência, foi freqüentador assíduo dos ensaios, onde tomou contato e aprendeu com os bambas da azul e branca, entre eles Candeia, Casquinha e Walter Rosa.

E Lá Vou Eu, lançado nesse ano, é um disco que destaca o lado autoral de João, que, com o passar dos anos, perderia espaço para o intérprete: dez das doze faixas do LP são de sua autoria – sozinho ou em parceria. Nas composições conjuntas, vale destacar seu encontro com o letrista Paulo César Pinheiro, que rendeu cinco faixas para o disco e deu início à parceria mais sólida e constante da carreira do artista. “Gosto de trabalhar com o Paulinho. Até conhecê-lo não acreditava naquilo: dar a música pra fazer a letra e vice-versa”, afirmou, certa vez, o sambista.

A música que abre o LP é justamente uma composição da dupla: a faixa-título “E Lá Vou Eu (Mensageiro)”, que ficou pronta durante as gravações do disco. Nela, João canta: “E lá vou eu/ melhor que mereço/ pagando a bom preço/ a evolução”. A cadência é lenta e o dedilhado do violão convida o ouvinte para um passeio com o personagem da canção, andarilho sem destino. No final, ele constata – ciente do papel do samba como elemento transgressor e representativo de um povo: “E lá vai minha voz/ espalhando então/ o meu samba guerreiro/ fiel mensageiro da população”.

Em “Batendo a Porta”, João dá mostras de sua genialidade quando se trata de dividir uma canção. Ora acelerando, ora retardando o ritmo, tem-se a impressão de que, a qualquer momento, ele vai atravessar o samba – o que nunca acontece. “Ele divide de maneira tal que ninguém, mesmo sabendo letra e música, consegue cantar com ele, ouvindo suas gravações”, reconhece Adelzon Alves, assistente de produção do disco, em texto na contra-capa do LP.

Trata-se de um artista que já nasceu pronto. E como tal, possui completo domínio de sua arte, mesmo nos momentos em que a descontração se impõe. Sua interpretação do clássico “Gago Apaixonado”, de Noel Rosa, impressiona: uma música de difícil execução, que João canta com o maior humor e naturalidade.

Noel Rosa, aliás, é uma referência importante na parte conceitual do disco. A foto da capa do LP mostra João Nogueira caminhando na madrugada, sozinho, em uma das ruas de Vila Isabel, cuja calçada reproduz partituras de canções de Noel. O título E Lá Vou Eu dá à fotografia um tom misterioso e enigmático. Afinal cabe perguntar: vai pra onde?

Talvez nem o próprio João soubesse, pois E Lá Vou Eu não indica um ponto de chegada. É, na realidade, uma exaltação à própria caminhada, com suas alegrias e decepções. Em alguns momentos, o disco reflete sobre as condições de vida num mundo que se modificava rapidamente.

Em 1974, o Brasil vivia sob regime militar e era um país que estava sendo projetado para ser “grande”. A classe média sonhava com uma casa própria e um Fusca. Ideal que João despreza em “Meu Canto Sem Paz”: “se não me bastassem problemas de amor/papéis importantes confundem a mente/é gente correndo, é conta corrente/corrida do ouro, progresso, sucesso/meu peito poeta rejeita esse jeito/e vai enfeitando de amor o meu verso/entenda meu samba, seja como for/eu vivo na vida correndo pro amor”.

Em outros momentos do disco, João Nogueira nos brinda com uma boa dose de malandragem despretensiosa: “Eu hein, rosa!” traz o sambista no melhor de sua forma, usando e abusando das divisões numa canção sobre um desencontro amoroso. “Partido Rico”, que cita até Chico Buarque, alfineta a classe média mais uma vez, mas agora num clima bem-humorado.

Para o fim do álbum, o cantor guardou uma pérola. A belíssima “Braço de Boneca”, canção de teor nostálgico, onde o músico Joel do Bandolim – na época, apontado como grande promessa de instrumentista – tem seu momento de destaque.

Para encerrar, como não poderia deixar de ser, o sambista exalta sua escola em “Eu Sei Portela”.

Por tudo isso, pode-se dizer que E Lá Vou Eu é o disco mais importante da carreira de João Nogueira, não só por reunir uma grande quantidade de sucessos, mas por ser o trabalho que estabeleceu sua condição de gênio do samba. Como compositor e intérprete.